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domingo, 18 de julho de 2010

Palavras

Abriu os olhos assustada com as gotas de chuva que caiam em seu rosto. Observou o céu cinza, e as nuvens pesadas que pareciam se amontoar ainda mais umas nas outras com a ajuda do vento.
Sentou-se lentamente na grama molhada e olhou ao redor; ao mesmo tempo que sua mente era tomada por lembranças. Tudo aquilo..aquela destruição...Porquê?
As lágrimas começaram a escorrer pelas maçãs pálidas do seu rosto, e se confundiam com as gotas de chuva. O casarão estava todo destruído; ali, bem na sua frente. Ela não conseguira impedir, estava feito.
O fim de tarde era ainda mais escuro com a imagem do casarão, que após ser tomado pelo fogo, tinha agora um aspecto cinzento, morto. Tudo ali estava morto: os velhos pinheiros, a casa na árvore, a esperança de que aquilo fosse só mais um pesadelo.
E em meio toda a destruição, algo parecia reluzir entre o gramado escuro e úmido. Era uma caixa, cor de madeira. A menina levantou, e deu alguns passos em direção ao objeto. A caixa não era muito grande, e tinha em sua tampa estrelas prateadas. Parecia ser a única coisa ali que não lembrava morte. Lucy nunca havia visto aquele objeto antes, mas de alguma forma ele lhe parecia familiar.
Abriu a tampa delicadamente, encontrando no interior da caixinha um caderno pousado no fundo de veludo cor de vinho. A capa de couro vermelho lembrava sangue, e as letras escritas em prata davam um ar de antiguidade. A garota se espantou ao ler o que as letras diziam: 'Escreva para mim, Lucy.'
No fundo da caixinha ainda havia um objeto; uma caneta de nanquim, e nela estava gravado o nome de Lucy, em letras delicadas. Aquilo teria sido deixado para ela por algum motivo. Mas escreveria sobre o quê? Fazia muito tempo que não escrevia sobre nada; tinha abandonado as palavras desde o dia em que Adam simplesmente sumiu. Ele não voltou; e levou com ele toda aquela inspiração. Aquele refúgio que encontrava nas palavras se tornara algum tipo de ligação entre ela e seu passado, então, preferia se manter afastada de tudo que trouxesse dor. Das palavras. Todas elas a faziam lembrar da época em que o mundo podia ser resumido naquele sorriso. Ela não queria ter que lembrar.
Mas agora era diferente. Estava realmente sozinha. Tinha em mãos um caderno, e uma caneta; era tudo o que restava. Quem sabe aquilo não ajudasse a afastar a dor; ou pelo menos minimizar toda aquela destruição. Abriu o caderno e tocou a ponta da caneta no papel em branco. Escreveu quatro palavras, que logo se resumiram em borrões graças à chuva que não parava de cair.
Acordou irritada com o feixe de luz que atravessava o quarto e atingia seu rosto. Tinha tido aquele sonho de novo. E têm sido assim desde aquele dia, toda noite, o mesmo sonho, as mesmas palavras que se repetiam. Sentou-se na cama, e esticou o braço até o criado mudo, pegando o velho caderno de capa vermelha. Segurou e o encarou por alguns segundos. Abriu na primeira página e leu as palavras que diziam: ''Eu te amo, Adam." Estas não estavam borradas como as do sonho. Mas traziam a mesma dor em cada linha. Uma lágrima caiu na folha, manchando a letra 'o' da palavra 'amo'. Lucy levou ao peito o pequeno caderno, e fechou os olhos, tentando esquecer. Mas resolveu fazer diferente dessa vez: esticou novamente o braço e pegou a caneta de nanquim marcada com seu nome, e resolveu pela primeira vez atender aquele pedido da capa vermelha. Um pequeno sorriso se fez em seu rosto, enquanto limpava a lágrima insistente que caia, e sussurrou fitando o caderno:

- "Vou escrever pra você, Adam".