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segunda-feira, 19 de julho de 2010

Página dois - A música

Eu tentei deixar o tempo levar estas lembranças, e realmente, por algum tempo, estive anestesiada. A dor não me deixou por nenhum segundo, mas por alguns momentos ela esteve dormindo em algum lugar dentro de mim - trancafiada pela minha força de vontade.
Ela dormia enquanto eu dedilhava suavemente o piano de armário da minha sala de estar; as teclas de marfim pareciam macias ao toque de meus dedos. A música sempre foi uma boa maneira de me manter em paz mesmo quando tudo ao meu redor aparentava desabar.
Na verdade, desde aquele outono nada pareceu estar realmente completo. Os meus sorrisos não eram automáticos, nunca foram; mas raros dali pra frente. Aquela ausência era uma presença constante a cada amanhecer e a cada anoitecer.
Eu aprendi a respirar após um tempo, sem que eu precisasse me sentir sufocada. Aprendi como tudo ficava mais fácil se eu mantesse as fotos guardadas em algum lugar não visível, e decidi que tentaria de uma vez por todas me convencer de que você não existia mais. Não aqui, nesse mundo. Talvez em outro, mas nesse não. E se existisse...que diferença isso faria? Tudo continuaria igual. Exatamente igual. E você continuaria não cumprindo sua promessa; por culpa sua ou do destino, tanto faz.
E eu continuaria cumprindo meus papéis diários; interpretando a cada gesto e ação, para evitar a pena alheia. Não acho que eu seja digna de pena somente pelo fato de ter vivido a minha vida inteira à procura de alguma razão para simplesmente viver. Eu vivo, não é? E de uma certa maneira, muito bem. Isso basta pra mim.É como se meu castelo tivesse desabado, e aos poucos eu tivesse reconstruído parte dele.
E a música permaneceu este tempo todo, desde a sua chegada até a sua partida. Ela sempre esteve aqui, desde a nossa primeira dança.

                                                                                       Lucy.