Encontrar neste blog:

terça-feira, 5 de outubro de 2010

A história de um anjo | Capítulo 2

Liguei o chuveiro para que esquentasse enquanto eu tirava a roupa, a água devia estar congelando. Pisei no chão frio do banheiro deixando o chinelo para trás, indo rapidamente para debaixo da água quente que o chuveiro despejava. Fechei os olhos, somente sentindo a água escorrer pelo corpo, procurando não pensar em nada. Percebi que essa seria uma tarefa difícil, então me concentrei no banho. Lavar, enxaguar, secar. A concentração fez com que o banho acabasse logo; pelo menos eu estava colaborando com a salvação do mundo. Menos gasto com água, menos energia desperdiçada - já tinha feito a minha boa ação do dia sem sair de casa.
Coloquei uma roupa quente e preparei um chá mate: o meu preferido. Eu tinha acabado de decidir que aquele dia seria diferente de todos os outros 56. Aquela melancolia começava a me dar nos nervos.
Peguei meu note book, o meu ‘grande amigo inseparável’, e levei até a cama. Ele e minha câmera digital eram meus companheiros em todas as horas. As outras câmeras eram mais precisas, e tinham um ar mais profissional, mas a digital era a única que eu podia levar aonde quer que fosse. Eu trabalhava 24 horas por dia e gostava disso. Mesmo nos 56 dias torturantes eu não deixei de trabalhar um dia se quer, era algo que me fazia sentir um pouco melhor, ou menos inútil. Eu deixava alguns trabalhos guardados, caso eu não tivesse tempo de fazer algo novo. Eram meus planos B, C, D e assim por diante. Ficavam arquivados caso eu precisasse, então eu teria material suficiente para algumas semanas, uns dois meses ou mais. Eu editava as fotos, e mandava para o cliente. A tecnologia parecia ser a única a meu favor.
Tomei um gole de chá e coloquei a caneca em cima do criado mudo – que já estava todo manchado pelos copos e pela minha falta de cuidado. Vovó odiaria ver seu criado mudo de madeira maciça naquele estado.
Abri o e-mail e li aquele nome irritante repetido mais de 20 vezes na tela do note book, selecionei um por um dos e-mails e exclui, sem pensar duas vezes. Ele não me deixaria em paz? Um dos muitos e-mails estava endereçado com um nome que me arrancou um sorriso, fui obrigada a ler.

Ana Taylor diz:
Anne querida, porque não me manda notícias? Vai me deixar morrer aqui na Espanha de tanta preocupação! Vovô disse que você não liga a mais de um mês, por favor, me dê um sinal de vida, pelo menos para eu ter certeza de que está bem. A imprensa não para de me ligar querendo saber notícias suas. Por favor, responda meu e-mail. A mamãe ama você.”

Mamãe. Devia estar a beira de um ataque de nervos. E quem não estaria, tendo em seu pé um bando de sanguessugas que se denominam repórteres? Respondi o e-mail com uma mensagem curta, mas acho que bastaria para acalmá-la.

Annelise Taylor diz:
Mamãe, está tudo bem, não se preocupe. Manda a imprensa pro inferno, por mim. Também amo você.”

A lista era gigante, a maior parte dos e-mails endereçados pela produtora onde eu trabalhava, enviados por Nilo, meu chefe. Incrivelmente paciente e compreensivo, disse que me daria o tempo que eu precisasse com a condição de que eu não o deixaria na mão, pediu para que eu não deixasse de mandar material novo e que eu desse meus palpites – incríveis, como ele mesmo costumava dizer. Ele era meu chefe, mas trabalhávamos como uma dupla; éramos uma espécie de sócios. Amigos, acima de tudo.
Eu ignorei seus e-mails, podiam esperar. Apenas um me chamava atenção naquele momento, e não havia remetente. Apenas o campo do assunto estava preenchido: Leia-me.
As palavras me chamaram atenção, então cliquei sem pensar muito.

Anne, você não está sozinha. Tenha fé.”

Apertei os olhos e franzi a testa lendo aquela mensagem. Porque algumas pessoas perdiam tanto tempo com esse tipo de coisa? Devia ser algum idiota. O indivíduo não prestava nem para se identificar. Deletei sem pensar muito. ‘Tenha fé’. Fala sério.
Resolvi então começar a ler os e-mails do Nilo, eu não tinha nada para fazer mesmo, era melhor do que deixá-los acumular. Enquanto eu lia, uma janelinha apareceu no canto direito da tela me alertando sobre uma nova mensagem. Eu cliquei e outra janela se abriu, revelando outra mensagem. O ser desocupado tinha sido mais criativo dessa vez na identificação do remetente: 123@sky.com.

Não tenha medo. Você não está sozinha.

- Idiota. – resmunguei comigo mesma enquanto excluía a mensagem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe sua opinião, crítica ou sugestão. ;D